quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Ainda não tinha três anos

e viu morrer-lhe a família toda na mesma semana. Foram a enterrar no mesmo cortejo.
O primeiro a ficar doente, com a gripe pneumónica que vitimou quase 30 pessoas na aldeia, foi o único que sobreviveu. Quando as pessoas entraram em casa para ver a mãe morta, o pai, já quase a ir-se também, pedia a todos que não lhe pisassem o bebé, que estava atrás da porta. Era o meu avô.
A mãe, mais a bebé de 6 meses que trazia na barriga, o irmão mais velho, Luís, e depois o pai, morreram. Só morriam os novos - os meus bisavós teriam pouco mais de 20 anos.
A imagem mais dura de toda a história era contada por uma vizinha da família, a Tia Prazeres, que se lembra dele à esquina da casa a chorar depois do enterro.
Ficou com uma tia que vivia numa aldeia vizinha e viu os bens a serem-lhe tirados, um a um, colchas de linho, fios de ouro, terras, animais, pelo tutores.
Pouco depois de fazer 10 anos chamaram-no para trabalhar noutra aldeia, a alguns 10km de onde vivia numa casa cheia de gente e de fome, mas com tanto amor que, passados poucos dias, ele fugiu com as saudades. Voltou para o patrão sob uma condição: um saco de trigo para a tia poder fazer pão para os filhos.
Toda a minha vida o conheci de poucas mas acertadas palavras. Ao contrário do que seria de esperar, foi sempre bem-disposto e piadético. Acho que as gargalhadas ainda sabem melhor assim, quase roubadas, a graça inesperada.
Quero lembrar-me sempre dele assim ou, pelo menos, acabado de se queixar de uma dor na perna, quando estava internado, a dizer-me "Estou capaz de dar uma corrida".

2 comentários:

  1. Uma homenagem bonita, em "poucas e acertadas palavras", para o homem mais bonito da família. Duas coisinhas se me oferecem porém dizer, a bem do rigor & do enquadramento histórico: acho que o número exacto de mortos na aldeia foi 28, segundo consultas da Tia A. aos arquivos da igreja; e diz quem sabe que a pneumónica de 1919 (suponho que o ano em que o avô perdeu os pais e o único irmão) fez mais vítimas em toda a Europa que a guerra de 14-18.

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  2. Quase 30, disse eu.
    E foi a pneumónica de 1918, vinda de Espanha. Confirma-se, portanto, que de Espanha nem bom vento, nem bom casamento.

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