sábado, setembro 27, 2008

Ainda de Trás-os-Montes

Diálogo recorrente
Individuo que posso ou não conhecer (m/f): F.? És a F., não és?
Eu: Não, sou a Joana. A mais nova. (Em Roma, fala trasmontano.)
Diálogo original, à saída do cinema
Individuo que não conheço (m): Desculpa, posso fazer uma pergunta?
Eu (sem saber bem o que se passa, ainda me estou a rir do filme com a prima): Sim...
Individuo que não conheço (m): És a Joana, não és?
Eu (completamente emmerdada, e agora o que é que eu digo): Sou...
Individuo que não conheço (m): Não te lembras de mim, pois não?
Eu (há bocado não era nada, agora é que estou mesmo emmerdada): Err... desculpa, não.
Individuo que não conheço (m): Sou o H., da escola primária, primeira classe.
Eu (depois de uns segundos de hesitação e a mentir com quantos dentes tenho na boca - se mais houvera, mais mentira): ... Ah, sim! Já me lembro, desculpa, estás bom?
Depois dos beijinhos e dos então que tal, por cá?, o choque ainda maior.
Individuo que não conheço (m): Então, que tens feito?
Eu (sentindo-me estupidamente na obrigação de dar um relato completo da minha vida dos últimos, quê, 18 anos?, porra, não se contam 18 anos de vida em 5min depois do cinema a um desconhecido...): Ah, sabes, fui estudar para... e depois trabalhei lá... etc, etc.
Ele é casado e tem uma filha (acho) com um ano e meio.
Agora lembro-me perfeitamente da cara dele, a cara que vi nesse sábado e acho que começo a lembrar-me dele na primária, mas não jurava.
Um mundo noutra galáxia, foi o que senti.
Como é que é possível esquecer assim alguém? E não ser esquecida?
Ai, este alzheimer...

1 comentário:

  1. Acabas de descrever o meu pior pesadelo. Passa a vida a acontecer-me, e nem sequer é preciso ter conhecido a vítima há anos. Ainda outro dia estive meia hora à conversa no cinema com uma rapariga incomodamente familiar que me abordou com tal intimidade ("Olá, vens por prazer ou em trabalho?" - a gaja sabe que eu sou jornalista, mas quem Diabo é ela?!) que não ousei confessar que não fazia a mínima ideia de quem era. Enquanto aguardamos o início da projecção, meia hora atrasada (quem disse que os "luxos" são organizados?), discutimos o livro "Gomorra" - conversa a que só metade do meu cérebro dá atenção, enquanto as restantes sinapses procuram furiosamente o rasto daquele rosto tão familiar ("Mas de onde raio a conheço? Sim, o livro é extraordinário, sim, amiga da Ana Maria ou conhecemo-nos sobretudo a parte do lixo tóxico, que horror, mas se não nos víssemos desde a Universidade ela teria feito mais estardalhaço quando me viu, ou será que nunca tinha ouvido falar da Camorra antes do livro, Catarina-amiga do Pedro-amiga-da-Vera-amiga-da-Clara parece-que-o-realizador-afinal-não-vem?).

    É só a meio da projecção, no escurinho do cinema, que a vejo surgir em grande plano, silenciosa e bonita, sentada à minha frente durante um dos cursos de formação para correspondentes organizado pelo jornal... há escassos meses.

    Tive uma memória, perdi-a, trá-lá-lá...

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