quinta-feira, maio 15, 2008

Atrás dos olhos

Atrás dos olhos, as lágrimas.
Atrás dos olhos, a fome deles, a comida feita em conjunto, servida em linha de montagem personalizada, a satisfação de fazer alguma coisa pelos outros.
Quando cheguei o recheio dos crepes estava feito, a massa para os ditos ia começar a ser cozinhada.
Descarregámos a carrinha cheia de comida do Banco Alimentar, arrumámos tudo num sofisticado sistema de first in, first out em que o esparguete começou a cair quando abrimos a porta, mas logo se compôs. Até suámos.
O trio das Joanas atacou depois o sumo de pêssego. Descascar um caixote de pêssegos, provar um, tirar os caroços, juntar água e depois passar tudo com a varinha mágica industrial do restaurante.
Para acompanhar os crepes de legumes, arroz e salada de tomate. O sumo como bebida. Pão quentinho saído do forno.
Quando a comida estava pronta, jantámos todos na mesma mesa, comemos o que fizémos em conjunto para os outros, em comunidade. Comida na carrinha e partimos.
S. Bento, os habituais e mais alguns. Carrinha da comida e carrinha da feira, roupa, sapatos, não há muitas meias e collants nem vê-los.
Os tapetes servem para aquecer os pés.
Atrás dos olhos, a vontade de chorar ao ver a fome. Pensar se aquela terá sido a única comida do dia. E nos outros dias? Outras associações, explicam-me.
Atrás dos olhos, as lágrimas de tristeza e de alegria, todas misturadas, pensar só nos outros e com isso conseguir o melhor para nós, esquecer, parar a cabeça por momentos porque enquanto se descascam pêssegos só se pensa em acabar, ver o fundo do caixote, refilar com o sumo que me pica a pele só porque o trabalho com piadas sarcásticas se faz muito melhor.
Depois de S. Bento ainda o jardim do Carregal, já havia pouca comida e por isso quando chegámos a Júlio Dinis só tínhamos pão e roupa.
Para a semana prometeram-me o Aleixo, faremos mais comida.
Atrás dos olhos, na cabeça e no coração, Amor.
Volto lá.

2 comentários:

  1. Muito orgulhosa por ter uma IR(e)Mã com consciência social, continua! belo texto, ainda por cima.

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  2. Só querer uma resposta me faz quebrar o silêncio depois deste texto...

    Como se pode participar nestas acções de voluntariado?
    Sempre tive essa dúvida...
    Costumo doar imensos bens às únicas instituições de caridade que conheço: Legião da Boa Vontade, Remar e outra (que não me lembro o nome).
    No pico do Inverno chego mesmo a andar pelas ruas de carro e deixar em silêncio sacos de roupa junto dos sem abrigo que encontro a dormir nas ruas.
    Mas se mais puder fazer, assim farei...

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